Crase e mudança de significado

O correto é “voltar a fita” ou “voltar à fita”? Depende. Se você tiver um aparelho de DVD, por exemplo, dificilmente vai se preocupar com fitas VHS. Em todo caso, se uma frase sua tiver por objeto uma fita, você fará uso da crase ou não? Depende!
 
Uma das maneiras mais simples de analisar o uso da crase é substituir o substantivo feminino por um masculino. Imagine que você está assistindo a um filme, não importa se em VHS, DVD ou BD. Nesse caso, você diria “voltar o filme” ou “voltar ao filme”?
 
Se você dissesse “voltar o filme”, “voltar” teria o sentido de “retroceder”. Aqui, o verbo é transitivo direto e a frase expressa a ação de recuar o filme para um ponto anterior. Ou seja, pressionar o botão “rewind”.
 
Ao dizer “voltar ao filme”, o verbo é transitivo indireto e significa “retornar”. Assim, estávamos assistindo a um filme e o voltamos para analisar uma cena específica, o que rendeu uma acalorada discussão; agora é o momento de parar a conversa e retornar ao que estávamos fazendo antes: assistir ao filme.
 
Tudo bem, mas qual a diferença entre “retroceder” e “retornar”? Sutil – afinal, são verbos que pertencem ao mesmo campo semântico, isto é, seus significados muitas vezes se misturam.
 
“Retroceder” é deixar de seguir adiante pelo caminho em que estamos e fazer o percurso inverso. “Retornar” é ir novamente a um determinado ponto. Em certo sentido, “retroceder” é “retornar”, pois, ao recuar pelo caminho já percorrido, retorno a um ponto pelo qual já havia passado. Mas, ao contrário de “retroceder”, “retornar” não exige que eu volte pelo mesmo caminho. Alguns retornos são um progresso! Voltemos à fita.
 
Após analisar os diferentes sentidos de frases em que o objeto (direto ou indireto) é um substantivo masculino, pode-se deduzir que o sentido da frase modifica-se de modo equivalente quando o objeto é um substantivo feminino. Podemos afirmar, então, que “voltar a fita” quer dizer “rebobinar” e “voltar à fita” pode significar “continuar assistindo”.
 
Muitas vezes, o uso ou não uso da crase leva a significados diversos. Essa variação de sentidos está relacionada ao campo semântico dos verbos, que ora pedem objeto direto (sem a necessidade de preposição), ora indireto (com o uso da preposição).
 
Em resumo, o objeto será direto se o verbo agir diretamente sobre o seu objeto. Assim, o que se rebobina é a própria fita.
 
Por sua vez, o objeto será indireto se o verbo agir indiretamente sobre o objeto: retorna-se a conversa (obj. direto) a um determinado tópico (obj. indireto). O que se volta é a conversa, “para onde se volta” é o objeto indireto. O objeto indireto, como regra, exige preposição. Se a preposição “a” estiver aliada ao artigo feminino “a”, haverá crase.