Afinal, a crase se usa ou o quê?

Em primeiro lugar, este não é um post sobre crase, mas sobre o uso do verbo “usar” quando o assunto é a crase. Ou sobre o emprego do verbo “empregar”, se você preferir empregar este verbo àquele...

Acontece que as palavras podem ser classificadas em classes, de acordo com a função que exercem na frase. Assim, algumas palavras são substantivos, outras são adjetivos, outras são verbos e assim por diante.

O que a crase tem a ver com isso? A crase ocorre quando duas vogais idênticas se encontram. Essas vogais são, sempre, duas letras “a”. O primeiro “a” é sempre uma preposição. O segundo “a” tanto pode ser a primeira letra de um artigo — o artigo definido feminino, no singular (a) ou no plural (as) — quanto de um pronome — o pronome demonstrativo de terceira pessoa (aquele, aquela, aquilo).

Pois bem. Quando a crase ocorre, devemos sinalizá-la. E fazemos isso usando o acento grave ( ` ).

Agora, veja bem: “usamos” o acento grave para assinalar a ocorrência de crase. Certo? Sim, porque não se “usa” a crase: a crase é uma ocorrência, um acontecimento, um fenômeno, por assim dizer. E, nesse sentido, não se “usa” um acontecimento.

Mas veja você que “uso” e “emprego” são termos “usuais” quando o assunto é crase:

Talvez o uso do “uso” se explique por uma espécie de metonímia:

(1) “Usa-se o acento grave para assinalar a ocorrência de crase quando duas vogais idênticas se encontram etc.”

Ou, simplificando:

(2) “Usa-se a crase quando duas vogais idênticas etc.”

Acho que torna a explicação mais agradável, isto é, a explicação fica mais suave e o leitor pode compreender de um modo mais fácil o que se diz.

A metonímia é uma figura de linguagem que ocorre quando usamos uma palavra fora do seu contexto semântico normal, isto é, quando atribuímos a essa palavra um significado que não é o seu normal, de modo que esse significado esteja relacionado com outra palavra à qual aquela que nós usamos se refere. Complexo? Um exemplo facilita bastante:

(3) “Gosto de Dalí.”

Eu nunca conheci o pintor surrealista catalão Salvador Dalí. Logo, não estou dizendo que gosto da pessoa Salvador Dalí. Estou dizendo que gosto da obra desse pintor. Mas, ao invés de usar a palavra “obra”, uso a palavra “Dalí” como se nesta palavra já estivesse subentendida toda a expressão “a obra do pintor surrealista catalão Salvador Dalí”. E se você lê a frase 3 e entende que “eu gosto da obra do pintor surrealista catalão Salvador Dalí” é porque você entende perfeitamente o que é uma metonímia. Como se pode ver, a metonímia é um artifício de simplificação, entre outras coisas.

Voltemos à crase: como eu disse no começo do post, o assunto não seria a crase, eu apenas “usei” a crase para falar da metonímia.

Percebeu que agora o verbo “usar” foi empregado no seu significado normal?