Para determinar a função de uma palavra (sujeito, adjetivo, advérbio etc.) é preciso analisar a sua relação com as demais palavras da frase ou do contexto.
A palavra “melhor” pode ter, entre outras, a função de adjetivo ou de advérbio.
Adjetivos são palavras que modificam os substantivos. Podem, por exemplo, acrescentar uma qualidade ou um aspecto ao substantivo (“leitura agradável”).
Não só as palavras mantêm relações entre si: sempre é possível comparar as coisas umas com as outras. Portanto, é possível que uma leitura seja “mais agradável” do que outra. Nesse caso, o adjetivo foi empregado no grau comparativo.
A comparação também pode ser feita não com algo concreto e definido, mas com a nossa própria experiência íntima... Explico: quando digo que a leitura de Osman Lins é “muito agradável”, não a estou comparando abertamente com a leitura de nenhum escritor específico. Mas, no fundo, em meu íntimo eu me recordo de todas as leituras que fiz em vida e comparo aquelas que me agradaram com a leitura de Osman Lins. O resultado é que acho a leitura de Osman Lins “tão agradável quanto todas as leituras que já me agradaram até hoje”, ou “muito agradável”. Aqui, o adjetivo foi empregado no grau superlativo.
Essas duas palavras que usamos para mostrar os graus do adjetivo “agradável” (“mais” e “muito”) foram empregadas como advérbios. As funções do advérbio são muitas e muito controversas, mas, em suma, um advérbio indica uma circunstância que envolve outra(s) palavra(s). Nos exemplos acima, “mais” e “muito” são advérbios de intensidade, isto é, indicam a força, o vigor, a potência do adjetivo que modificam.
Visto isso, vamos às diferenças entre “melhor” e “mais bem”.
(1) Pedro fala mais pausadamente que João.
(2) Pedro é um orador melhor que João.
(3) João preparou-se melhor que Pedro desta vez.
(4) João está mais bem preparado que Pedro desta vez.
Na frase 1, “pausadamente” é um advérbio que se refere ao modo como Pedro fala. Nessa mesma frase, “mais” é um advérbio: indica que o advérbio “pausadamente” foi empregado no grau comparativo (“mais … que”).
Na frase 2, “melhor” é um adjetivo que qualifica um dos oradores em relação ao outro. É uma das formas comparativas do adjetivo “bom”.
Na frase 3, “melhor” é um advérbio que relaciona o modo como cada um dos oradores se preparou. É uma das formas comparativas do advérbio “bem”.
Finalmente, na frase 4, “bem” é um advérbio que se refere ao adjetivo “preparado”. Indica o modo como João está preparado — afinal, ele poderia estar “mal preparado”, “adequadamente preparado” etc. Novamente, “mais” é um advérbio que indica que a expressão “bem preparado” — cuja função na frase é a mesma de um advérbio — foi empregada no grau comparativo.
Como vimos, “melhor” e “mais bem” podem, ambas, ser advérbios que modificam adjetivos. A dificuldade surge quando o adjetivo em questão é o particípio de um verbo (isto é: preparar–preparado; falar–falado; escrever–escrito; ler–lido; pôr–posto; construir–construído; partir–partido; vir–vindo).
Para resolver essa dificuldade é preciso compreender a função dos advérbios “mais” e “bem” na frase 4. Temos a tendência de considerar “mais bem” como uma única expressão, isto é, um único advérbio que se refere ao adjetivo em questão. Mas, como vimos, é o advérbio “bem” que se refere ao adjetivo — é um advérbio que indica o modo do adjetivo a que se refere. Quanto ao “mais”, esse outro advérbio se refere à expressão “bem (adjetivo)”.
Complexo? Um desenho facilita:
{Mais [bem (preparado)]}
Segundo a norma padrão da língua portuguesa, não se pode substituir “mais bem” por “melhor” simplesmente porque nesses casos “mais” não se refere a “bem”, e sim a “bem (adjetivo)”. Retomando os exemplos da explicação da frase 4, teríamos: “mais (mal preparado)”, “mais (adequadamente preparado)” etc.
As diversas normas da língua têm a sua lógica... Mas toda lógica pode ser subvertida. Vejamos: que expressão empregar na frase 5?
(5) O discurso de João foi recebido _________ que o de Pedro.
Resposta: “melhor”. Não seria possível escrever “mais bem” porque a inversão rompeu a ligação entre o advérbio “bem” e o adjetivo “preparado”, que identificamos acima.
Ocorre que não apenas as normas da língua têm uma lógica. A mudança da língua também segue uma lógica. E a lógica da gente que fala, escreve, lê e escuta em língua portuguesa, no Brasil, hoje, é a de que a ligação entre o advérbio “bem” e o adjetivo no comparativo não prevalece sobre a atração que o advérbio “mais” exerce sobre o advérbio “bem”. Logo, a frase 6 soa correta aos ouvidos de quem pensa em língua portuguesa no Brasil de hoje:
(6) João está melhor preparado que Pedro desta vez.
Nessa frase, “melhor” é um advérbio de modo, além de ser o grau comparativo do advérbio “bem”. Nesse sentido, a palavra “melhor”, como foi empregada na frase 6, indica que a nossa língua portuguesa é viva!
Mas, depois disso tudo, se você me perguntar qual das duas expressões usar em um texto, retrucarei perguntando para quem você está escrevendo. Pois, acima de tudo, devemos escrever pensando na lógica do leitor — se quisermos que ele nos compreenda.