Pessoal ou impessoal

Todo autor de um texto científico já deve ter se perguntado: “devo escrever na primeira pessoa ou adotar um estilo mais impessoal?” E, de fato, essa é uma questão que aparece na maioria dos textos que eu reviso.

Certa vez, conversando um professor de metodologia científica, ouvi o seguinte conselho: “O trabalho é seu? Então assuma como suas as ideias que estão lá.” Por outro lado, muitos orientadores preferem que o texto de seus orientandos seja escrito do modo mais impessoal possível.

A discussão é grande a esse respeito e as normas da ABNT não dizem (nem deveriam dizer, aliás) em qual pessoa deve ser escrito o texto.

Há quem prefira o uso da primeira pessoa do singular, pois o texto foi escrito por alguém — que deve assumi-lo como seu. É isso o que faço neste texto (em todo caso, não é um artigo científico).

Por outro lado, há uma ideia de neutralidade muito arraigada nos meios acadêmicos. Segundo essa concepção, o autor deve dissimular sua opinião por meio de verbos na terceira pessoa — do singular ou do plural —, geralmente acompanhados do pronome “se”. Assim:

(1) “Neste trabalho, discute-se o tema da prescrição no direito tributário.”

(2) “No capítulo seguinte, analisar-se-ão [ou: serão analisadas] as implicações da análise gráfica para o mercado acionário.”

(3) “O presente capítulo trata dos efeitos da logística reversa na moderna concepção da administração empresarial.”

Com efeito, isso confere um estilo objetivo ao texto. Contudo, pode causar certa confusão, principalmente quando o autor passa a citar as discussões de outros estudos:

(4) “Este trabalho faz uma revisão bibliográfica dos estudos sobre o movimento sindical brasileiro a partir da redemocratização. A princípio, aborda-se o conjunto de trabalhos desenvolvidos no âmbito do curso de pós-graduação da Universidade […]. Um dos primeiros trabalhos a tratar da questão foi a tese de doutorado de [...], intitulada [...]. Esse trabalho discorre sobre as grandes greves ocorridas na região do ABCD paulista nos últimos anos do período ditatorial. Trata-se de um tema de grande interesse para a compreensão do período em questão.”

Sem dúvida, é relativamente fácil depreender do contexto quando o autor fala do seu estudo e quando fala da tese que está citando. Mesmo assim, algumas ambiguidades poderiam ser evitadas: por exemplo, substituindo-se a palavra “trabalho”, na penúltima frase do exemplo, por “tese” — além de ser necessário reescrever a última frase. Como se vê, o uso da terceira pessoa requer um cuidado maior.

Por fim, há quem recomende a primeira pessoa do plural. Semanticamente, a primeira pessoa do plural é mais impessoal do que a primeira pessoa do singular, podendo ser usada sem as precauções da terceira pessoa.

De qualquer maneira, acima de tudo o que importa é seguir o mesmo padrão no texto inteiro. Ou seja: se o autor começou escrevendo na primeira ou na terceira pessoa, deve seguir escrevendo assim até o fim. Isso demonstra coerência — e esse é um dos maiores valores de um trabalho.